terça-feira, 18 de março de 2014

Por trás da matéria: Escândalo dos planos de saúde no Senado pauta grande imprensa no início de Março

Erich Decat
Apesar da luta pela transparência no uso do dinheiro público ser uma crescente desde a redemocratização do País em 1985, não são raras as chamadas “Caixas Pretas”- zonas de uso dos recursos públicos com pouco ou nenhum controle de legalidade e publicidade – principalmente nos poderes Judiciário e Legislativo. No dia 11 de março, os repórteres Erich Decat e Fabrício Fabrini, do jornal O Estado de São Paulo, conseguiram entreabrir uma dessas caixas: as despesas do Senado no reembolso dos senadores com os gastos médicos e odontológicos. Publicada no dia 11 de março, a matéria mostrou que até mesmo Demóstenes Torres, cassado em julho de 2012, ainda se beneficiava do plano de saúde da Casa. A reportagem foi repercutida pelos principais veículos do País, mas nenhum outro investigou o assunto nos dias que se seguiram. Com isso, Decat e Fabrini pautaram a grande mídia e dominaram a editoria de Política na semana em que o assunto repercutia. A Redação do Página em Branco conversou com Decat sobre a matéria, suas peculiaridades e as dificuldades de se conseguir acesso à Caixa Preta do Senado.



PEB: Como foi produzir uma matéria de grande importância como essa?
Erich Decat: A questão de ser uma matéria de “grande importância” é relativa. Ela teve uma certa repercussão, o que é sempre bem-vindo, mas o importante é se manter sempre focado.

PEB: Sua maior dificuldade?
Erich Decat: Ao ter acesso a alguns dados sigilosos dos gastos com saúde do senadores e ex-senadores o grande desafio inicial foi fazer uma filtragem das informações que detínhamos para termos a exata noção e dimensão do que se tratava. No material que tivemos acesso constam documentos oficiais referentes ao desembolso feito pelo Senado aos senadores e ex-senadores entre 2010 e 2013. Entre os documentos estão os relatórios de despesas; perícia médica; perícia odontológica; pagamento de clínicas conveniadas; e autorização prévia de empenho. Ao todo foram analisados 7.914 arquivos distribuídos em 2.865 pastas. Pode haver outras informações sobre o tema que ainda não foram descobertas? Pode. Há ainda várias “caixas pretas” tanto no Senado quanto na Câmara do Deputados que ainda não foram abertas. Após fazermos uma “garimpagem” nos arquivos montamos um pré-roteiro com possibilidades de publicações, nada definitivo, uma vez que ainda era necessário aprofundar e realizar a checagem das informações pré-selecionadas, além ouvir o “outro lado” para tentar esclarecer algumas dúvidas. Um exemplo do que estou falando:  Um dos documentos que tivemos acesso revela que um determinado ministro, que se licenciou do Senado para ocupar uma cadeira na Esplanada, pediu em 2012 o reembolso de R$ 2.500 para pagar um tratamento com Botox. Ou seja, supostamente tínhamos em mãos mais um “escândalo” do Senado em que se estaria usando recurso público para pagar um tratamento estético de um senador. Imoral, não é mesmo. Mas essa premissa era falsa!!! A Toxina Botulínica, popularmente chamada de Botox, também pode ser utilizada em tratamentos neurológicos como paralisia cerebral, trauma medular, paraplegia, entre outros. E o nosso “personagem” tinha passado por problemas de saúde que requeriam o uso do “Botox” para fins medicinais. A não checagem dessa hipótese levaria a matéria “de um grande furo” para “um grande desastre jornalístico”.  Chegamos a encontrar um outro exemplo de uso de Botox, que originou uma das matérias, mas neste caso o Senado se recusou a reembolsar o ex-senador, como noticiamos.
Entre os principais desafios de se fazer esse tipo de matéria, como qualquer outra, está o de eliminar a zero as possibilidades de erros. Publicadas as três matérias (Senadores pedem reembolso de até R$ 70 mil para tratamento dentário; Casa recebe pedido de Botox e Senado paga plano de saúde até de parlamentar cassado) não houve nenhuma contestação por parte do Senado ou dos citados. A única foi por parte do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que questionou a informação de que ele pediu e teve negado pela a Casa o reembolso para um tratamento de “implante hormonal” de R$ 1.904. Mandamos para ele o documento oficial de autoria do próprio Senado em que constava a informação e mais nada foi falado sobre o assunto.

PEB: Quanto tempo levou entre a apuração e a publicação da matéria?
Erich Decat: Sete dias exclusivos para a matéria.




PEB:  De onde surgiu a pauta? 
Erich Decat: Como disse na primeira resposta, os gastos com saúde dos senadores é uma das “caixas pretas” do Congresso que a maior parte dos jornalistas que cobre política em Brasília tenta ter acesso.




PEB: Quantos profissionais participaram da estruturação da matéria?
Erich Decat: Três. Eu, o repórter Fábio Fabrini e o Editor Luiz Weber.




PEB: Qual foi a primeira fonte de pesquisa? 
Erich Decat: 7.914 arquivos referentes aos gastos com saúde dos senadores e ex-senadores entre 2010 e 2013. Também foram consultados especialistas na área da medicina, odontologia, fonoaudiologia.

PEB: Ao todo, quantas fontes ouvidas?

Erich Decat: Ao menos 15, incluindo o “outro lado”.




Por Ricardo Vaz e Luciano Beregeno