Erich Decat |
Apesar da luta pela transparência no uso do dinheiro
público ser uma crescente desde a redemocratização do País em 1985, não são
raras as chamadas “Caixas Pretas”- zonas de uso dos recursos públicos com pouco
ou nenhum controle de legalidade e publicidade – principalmente nos poderes
Judiciário e Legislativo. No dia 11 de março, os repórteres Erich Decat e
Fabrício Fabrini, do jornal O Estado de São Paulo, conseguiram entreabrir uma
dessas caixas: as despesas do Senado no reembolso dos senadores com os gastos
médicos e odontológicos. Publicada no dia 11 de março, a matéria mostrou que até mesmo
Demóstenes Torres, cassado em julho de 2012, ainda se beneficiava do plano de
saúde da Casa. A reportagem foi repercutida pelos principais veículos do País,
mas nenhum outro investigou o assunto nos dias que se seguiram. Com isso, Decat
e Fabrini pautaram a grande mídia e dominaram a editoria de Política na semana
em que o assunto repercutia. A Redação do Página em Branco conversou com Decat
sobre a matéria, suas peculiaridades e as dificuldades de se conseguir acesso à
Caixa Preta do Senado.
PEB: Como foi produzir uma matéria de grande importância
como essa?
Erich Decat: A questão de ser uma matéria de “grande importância” é
relativa. Ela teve uma certa repercussão, o que é sempre bem-vindo, mas o
importante é se manter sempre focado.
PEB: Sua maior dificuldade?
Erich Decat: Ao ter acesso a alguns dados sigilosos dos gastos com
saúde do senadores e ex-senadores o grande desafio inicial foi fazer uma
filtragem das informações que detínhamos para termos a exata noção e dimensão do
que se tratava. No material que tivemos acesso constam documentos oficiais
referentes ao desembolso feito pelo Senado aos senadores e ex-senadores entre
2010 e 2013. Entre os documentos estão os relatórios de despesas; perícia
médica; perícia odontológica; pagamento de clínicas conveniadas; e autorização
prévia de empenho. Ao todo foram analisados 7.914 arquivos distribuídos em
2.865 pastas. Pode haver outras informações sobre o tema que ainda não foram
descobertas? Pode. Há ainda várias “caixas pretas” tanto no Senado quanto na
Câmara do Deputados que ainda não foram abertas. Após fazermos uma “garimpagem”
nos arquivos montamos um pré-roteiro com possibilidades de publicações, nada
definitivo, uma vez que ainda era necessário aprofundar e realizar a checagem
das informações pré-selecionadas, além ouvir o “outro lado” para tentar
esclarecer algumas dúvidas. Um exemplo do que estou falando: Um dos
documentos que tivemos acesso revela que um determinado ministro, que se
licenciou do Senado para ocupar uma cadeira na Esplanada, pediu em 2012 o
reembolso de R$ 2.500 para pagar um tratamento com Botox. Ou seja, supostamente
tínhamos em mãos mais um “escândalo” do Senado em que se estaria usando recurso
público para pagar um tratamento estético de um senador. Imoral, não é mesmo.
Mas essa premissa era falsa!!! A Toxina Botulínica, popularmente
chamada de Botox, também pode ser utilizada em tratamentos
neurológicos como paralisia cerebral, trauma medular, paraplegia, entre
outros. E o nosso “personagem” tinha passado por problemas de saúde que
requeriam o uso do “Botox” para fins medicinais. A não checagem dessa hipótese
levaria a matéria “de um grande furo” para “um grande desastre jornalístico”.
Chegamos a encontrar um outro exemplo de uso de Botox, que originou uma
das matérias, mas neste caso o Senado se recusou a reembolsar o ex-senador,
como noticiamos.
Entre
os principais desafios de se fazer esse tipo de matéria, como qualquer outra,
está o de eliminar a zero as possibilidades de erros. Publicadas as três matérias
(Senadores pedem reembolso de até R$ 70 mil para tratamento dentário; Casa
recebe pedido de Botox e Senado paga plano de saúde até de parlamentar cassado)
não houve nenhuma contestação por parte do Senado ou dos citados. A única foi
por parte do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que questionou a
informação de que ele pediu e teve negado pela a Casa o reembolso para um
tratamento de “implante hormonal” de R$ 1.904. Mandamos para ele o documento
oficial de autoria do próprio Senado em que constava a informação e mais nada
foi falado sobre o assunto.
PEB: Quanto tempo levou entre a apuração e a publicação
da matéria?
Erich Decat: Sete dias exclusivos para a matéria.
PEB: De onde surgiu a pauta?
Erich Decat: Como disse na primeira resposta, os gastos com saúde
dos senadores é uma das “caixas pretas” do Congresso que a maior parte dos
jornalistas que cobre política em Brasília tenta ter acesso.
PEB: Quantos profissionais participaram da estruturação
da matéria?
Erich Decat: Três. Eu, o repórter Fábio Fabrini e o Editor Luiz
Weber.
PEB: Qual foi a primeira fonte de pesquisa?
Erich Decat: 7.914 arquivos referentes aos gastos com saúde dos
senadores e ex-senadores entre 2010 e 2013. Também foram consultados
especialistas na área da medicina, odontologia, fonoaudiologia.
PEB: Ao todo, quantas fontes ouvidas?
Erich Decat: Ao menos 15, incluindo o “outro lado”.
Por Ricardo Vaz e Luciano Beregeno